Quando iniciei o processo de revelar para o mundo o universo deste António, mesmo estando e convivendo com a desertificação social, humana, arquitectónica, em vilas e povoados no Norte de Portugal e na fronteira com a Espanha, nunca deixei de pensar no Nordeste do Brasil, nos sertões que tanto conheço e onde a minha memória e identidade ainda se encontram ancorados. Aos poucos fui sentindo que toda essa desertificação significava muito mais que o doloroso vazio humano, que não era apenas um deserto de gente o que se estava a provocar, sim, digo provocar! pois o esvaziamento dos campos, das vilas, das pequenas cidades é provocado por estratégias politicas e económicas, por interesses financeiros, por um sistema capitalista onde o homem como ser humano deixa de ser o protagonista da vida dando lugar ao protagonismo do consumo e nesse novo modelo, inventando pelos ganhos e lucros das grandes empresas multinacionais, se inventam outras necessidades, algumas que o próprio homem desconhecia necessitar para viver, se criam outros modelos de felicidade e satisfação que antes não sabíamos serem precisos para que pudéssemos viver e ser felizes. Foi nesse desenrolar do fio à meada que me fui apercebendo que o drama que eu estava a transcrever não estava limitado ao deserto de gente, mas sim a desertificação da própria identidade de um povo que, pouco a pouco, estava sendo obrigado a desaparecer e deixar de ser quem era.
Ao encontrar esta oportunidade, oferecida pelo ator Severino Florêncio, de trespassar a história de António na VISITA para o Nordeste, me senti reencontrando os caminhos dessa desertificação numa geografia humana, social, política e económica que também é preciso que seja mais uma vez denunciada. Sendo frutos de uma mesma identidade, sofremos os mesmos males. Esta história não pertence apenas a terra dos esquecidos em Portugal ou na Espanha, é de todos os povos que são abandonados e esquecidos, desertificados de gentes e almas, secados no abandono na essência das suas histórias, das suas falas, das suas memórias, dos seus cantares, dos seus sonhos das suas identidades.
A desertificação no Nordeste acontece todos os dias. Muitos foram os retirantes, cantados e contados nas proesias da literatura brasileira, tantos que parecem ter retirado todos. Mais de 40 anos de mortes vidas severinas passaram, deuses e diabos secaram nas terras do sol e o sertão ainda não virou mar. Aos poucos fomos esquecendo de quem éramos, onde vivíamos, de onde viemos, os sonhos que um dia sonhamos e até das promessas que fizemos sob o luar do sertão, acabamos por esquecer tudo, como se tudo pertencesse a um distante passado ... A perda da identidade será o mal maior dessa desertificação e é por isso que necessitamos recriar os Antónios para que fiquem, voltem e nos falem das memórias que são a essência daquilo que ainda podemos voltar a ser.
Acredito que este texto, agora definitivamente transposto para o Nordestinez, ganhará sentidos e significados renovados e poderá contribuir para que todos um dia, ainda possamos retomar a Visita que obrigatoriamente temos que fazer.
Moncho Rodriguez
Nenhum comentário:
Postar um comentário