terça-feira, 18 de agosto de 2015

‘A Visita’ - coluna Dois dedos de prosa com Jénerson Alves

Há visitas que são bem vistas (e bem-vindas). Outras, nem tanto. E há visitas que chegam sem avisar, sem pedir licença, sem saudar ninguém. A lembrança é assim. Quando certas imagens, conversas, momentos vividos se presentificam, a existência ganha outros significados. O indivíduo se projeta a não-lugares, rememora não-conversas, relembra não-sonhos, vivencia não-vidas... Ou mil vidas...

O espetáculo ‘A Visita’ fala sobre tudo isso. Ou não. O texto, da lavra do genial Moncho Rodriguez (mesmo autor de ‘Enluarandas’), revela um tal António que, ao visitar o local de sua infância, depara-se com um deserto de gente e de bicho, mas um conglomerado de memórias e de sentimentos escondidos nos armários e nos porões da subjetividade. “Aqui, os homens são meio gente, meio barro – como as casas – e meio bicho”, diz, em certo momento.


Como toda grande expressão artística, a peça propicia múltiplas interpretações, permitindo que o espectador faça inferências, remetendo a histórias não ditas (ou mal-ditas) que estão imiscuídas na essência de cada um de nós. Afinal de contas, “lembrança é uma coisa sem futuro, que só leva a gente pra trás”, como é dito no próprio espetáculo. Leva a gente pra trás e pra dentro. Espelhos, significados, experiências... Questões como família, sexualidade, amizade, amor, afetos, permeiam a obra, que consiste em uma beleza rara, de sensibilidade extrema, capaz de tocar os recônditos mais profundos da alma dos que estão na plateia.

O espetáculo está em cartaz durante todo o mês de agosto, sempre aos sábados, a partir das 20h, no Teatro do Sesc (Rui Limeira Rosal). A direção é do magistral Nildo Garbo e a iluminação de Edu Oliveira. Em cena, o ator Severino Florêncio, na melhor versão dele mesmo. É pertinente salientar que ‘A Visita’ não é daquelas peças para ser vistas ‘de todo jeito’. Não. É necessário estar em consonância com a energia fluídica que emana do texto e permeia cada cena. Contudo, acredito que seja impossível entrar no teatro ‘de todo jeito’, assistir esse espetáculo e voltar do mesmo jeito. A arte inquieta, incomoda, coloca pulga nas orelhas, dá pontadas no coração, é uma fonte de sorrisos e lágrimas ao mesmo tempo. Coisa de doido. Só vendo. Minto. Só sentindo. E sem se conter...


Na última semana, pelo Facebook, o professor Edson Tavares fez questão de comentar: “Severino Florêncio está excelente, demonstrando o quanto a maturidade e o talento, juntos, num ator, podem tornar um espetáculo realmente espetacular!” Ôxe. E se até ‘o homem’ disse isso, quem de nós, simples mortais, pode contestar? A grande atriz Maria Alves também fez dela as palavras do professor. Então, ‘vamo simbora’ fazer essa visita! E nos revisitarmos, percebendo o quanto somos os mesmos. Ou não.

Jénerson Alves
Jornal Extra de Pernambuco

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