Há visitas que são bem vistas (e bem-vindas).
Outras, nem tanto. E há visitas que chegam sem avisar, sem pedir licença, sem
saudar ninguém. A lembrança é assim. Quando certas imagens, conversas, momentos
vividos se presentificam, a existência ganha outros significados. O indivíduo
se projeta a não-lugares, rememora não-conversas, relembra não-sonhos, vivencia
não-vidas... Ou mil vidas...
O espetáculo ‘A Visita’ fala sobre tudo isso. Ou
não. O texto, da lavra do genial Moncho Rodriguez (mesmo autor de ‘Enluarandas’),
revela um tal António que, ao visitar o local de sua infância, depara-se com um
deserto de gente e de bicho, mas um conglomerado de memórias e de sentimentos
escondidos nos armários e nos porões da subjetividade. “Aqui, os homens são
meio gente, meio barro – como as casas – e meio bicho”, diz, em certo momento.
Como toda grande expressão artística, a peça
propicia múltiplas interpretações, permitindo que o espectador faça
inferências, remetendo a histórias não ditas (ou mal-ditas) que estão imiscuídas
na essência de cada um de nós. Afinal de contas, “lembrança é uma coisa sem
futuro, que só leva a gente pra trás”, como é dito no próprio espetáculo. Leva
a gente pra trás e pra dentro. Espelhos, significados, experiências... Questões
como família, sexualidade, amizade, amor, afetos, permeiam a obra, que consiste
em uma beleza rara, de sensibilidade extrema, capaz de tocar os recônditos mais
profundos da alma dos que estão na plateia.
O espetáculo está em cartaz durante todo o mês de
agosto, sempre aos sábados, a partir das 20h, no Teatro do Sesc (Rui Limeira
Rosal). A direção é do magistral Nildo Garbo e a iluminação de Edu Oliveira. Em
cena, o ator Severino Florêncio, na melhor versão dele mesmo. É pertinente
salientar que ‘A Visita’ não é daquelas peças para ser vistas ‘de todo jeito’.
Não. É necessário estar em consonância com a energia fluídica que emana do
texto e permeia cada cena. Contudo, acredito que seja impossível entrar no
teatro ‘de todo jeito’, assistir esse espetáculo e voltar do mesmo jeito. A
arte inquieta, incomoda, coloca pulga nas orelhas, dá pontadas no coração, é
uma fonte de sorrisos e lágrimas ao mesmo tempo. Coisa de doido. Só vendo.
Minto. Só sentindo. E sem se conter...
Na última semana, pelo
Facebook, o professor Edson Tavares fez questão de comentar: “Severino
Florêncio está excelente, demonstrando o quanto a maturidade e o talento,
juntos, num ator, podem tornar um espetáculo realmente espetacular!” Ôxe. E se
até ‘o homem’ disse isso, quem de nós, simples mortais, pode contestar? A
grande atriz Maria Alves também fez dela as palavras do professor. Então, ‘vamo
simbora’ fazer essa visita! E nos revisitarmos, percebendo o quanto somos os
mesmos. Ou não.
Jénerson Alves
Jornal Extra de Pernambuco
Nenhum comentário:
Postar um comentário